O Uganda é um caso raro de êxito na luta contra a sida em África. A taxa de infecção pelo HIV, na faixa etária dos 15 aos 19 anos, passou dos 30% no início dos anos 90 para os 5% actuais. Em comparação, na África do Sul, um país mais desenvolvido, a taxa atinge os 21,5% Há motivos para olhar para o Uganda – um país com 27 milhões de habitantes – e procurar copiar essa estratégia que tanto êxito está a ter. No entanto, a julgar pela imprensa internacional, a situação do Uganda “preocupa”. Até mereceu honras de um editorial do “New York Times” (5.09.05). O facto de tanta preocupação não se situa na diminuição da taxa de infecção, mas sim na diminuição do uso de preservativos o que os leva a acusar o governo do Uganda de não promover o seu uso.
É sabido que o avanço no Uganda na luta contra a Sida se deve essencialmente a mudanças na conduta sexual. Desde 1986 as campanhas do governo lançam uma mensagem clara conforme a estratégia que se definiu e que passou a designar-se por ABC: Abstinência (A), Fidelidade (Be faithful) e, no último caso, usar preservativo (Condom). Abordando temáticas como o deixar de ter várias mulheres, ser fiel ao próprio cônjuge e atrasar as relações sexuais no caso dos adolescentes, deu fruto. A maior descida da taxa de infecção e a mudança mais acentuada na conduta sexual produziu-se entre os jovens dos 15 aos 19 anos. A promiscuidade sexual entre os mais velhos também baixou. Nenhum outro governo africano susteve de uma maneira tão constante a estratégia ABC e nenhum outro teve tanto êxito.
Mas é um êxito preocupante para alguns, pelo modo como foi conseguido. Stephen Lewis, antigo embaixador do Canadá na ONU, e agora enviado especial da ONU para a luta contra a Sida em África, está muito alarmado. No final do mês de Agosto declarou numa teleconferência que o Uganda estava a pôr mais ênfase na abstinência e na fidelidade que no uso dos preservativos. “Nos últimos 10 meses houve uma significativa redução na utilização de preservativos, orquestrada por políticas do governo”, disse. Lewis assegurou que havia uma campanha para desacreditar o uso de preservativos, dirigida pela mulher do presidente Museveni e que isso só podia levar a um aumento da taxa de infecção.
Por sua vez, algumas ONG de origem ocidental, como o Centro para a Saúde e Igualdade, denunciou que os preservativos subiram de preço, que há escassez de preservativos gratuitos, que o governo os retém e que desde Outubro do ano passado se distribuíram apenas 32 milhões quando o Uganda necessita entre 120 a 150 milhões de preservativos por ano. Por seu lado, o “New York Times” assegura que necessitam de 80 milhões. Já se vê que não é um número muito científico.
O ministro da Saúde do Uganda respondeu que o governo continua a manter a estratégia ABC que tantos bons resultados deu até agora e nega que exista escassez de preservativos. O governo, disse, “é consciente de que há gente que terá que utilizar preservativos, como é o caso de prostitutas, casais descontentes e jovens sexualmente activos”. E contra-ataca dizendo que “existe uma campanha de desprestígio coordenada pelos que não querem que se usem outras alternativas simultaneamente com os preservativos na luta contra a Sida”.
Mas os ataques contra o governo do Uganda visam sobretudo o desautorizar a política norte-americana que é apenas o maior contribuinte de fundos na luta contra a Sida. A administração Bush está a apoiar programas que não se centram unicamente no preservativo, mas sim na mudança da conduta sexual pela abstinência e fidelidade. Isso basta para que alguns grupos denunciem que está a “moralizar” um assunto que é exclusivo da saúde pública. O que não os impede por sua vez de denunciar como “imoral” que um governo limite as opções das pessoas que dão mais ênfase à estratégia A e B. Na realidade, quando a moral ajuda à descida da taxa de infecção de um vírus, converte-se num bom recurso sanitário.
Talvez o que preocupe a alguns é que o êxito do Uganda demonstre pelo contraste a insuficiência e até o fracasso de políticas centradas exclusivamente no preservativo. Mas aqueles que não querem colocar a hipótese de aderir a uma mudança da conduta sexual deveriam pelo menos ter em conta a realidade dos números. O curioso é que gente como Stephen Lewis está mais preocupada pela falta de preservativos num país que tanto êxito está a ter do que pelo fracasso da estratégia noutros países onde os preservativos abundam.
Carlos Tavares
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3 comentários:
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