A vitória do PSD nas próximas eleições legislativas não é dado adquirido, como parece reinar nas opiniões generalizadas que tem vindo a lume após as europeias. Paulo Rangel já é uma figura de proa e um actor a ter em conta neste partido, mas não ganhou mais que a capitalização dos descontentes do PS, pese embora o seu desempenho excepcional no contacto de rua.
Tem carisma e sabe falar ao povo. Mas não apresentou nenhuma solução, tal como os restantes opositores a Sócrates.
Com efeito, as oposições têm caminho fácil em tempos de crise profunda, porque os governos andam em papos de aranha a atirar no escuro e a adivinhar que rumo seguir. O PS, e Sócrates em particular, têm de mudar se quiserem ganhar. Desde logo tentar apaziguar o lume que arde em muitas corporações, começando com a dos professores do secundário e básico por causa da famigerada avaliação.
Eu começaria por dar razão à contestação e anulava o processo em curso, dizendo mesmo isso e desafiando os sindicatos a apresentarem um modelo. Punha-o à discussão pública na internet. E seria só esperar, porque ante um modelo desenhado pelos sindicatos, o governo actuaria como oposição, pois seria fácil encontrar pontos frágeis, facilitismos e outras excrescências. Depois seria confrontar os partidos da oposição com esse modelo e perguntar se o aprovariam, se fossem governo. Em especial o PSD, forçando-o a vir a terreiro dizer o que pensa.
As obras de regime podem esperar. Não forçaria a sua realização nesta altura, dando razão às dúvidas levantadas e, sobretudo, abandonava o modelo de parcerias público-privadas que só trazem benefícios ao privado e prejuízos ao público, ou seja, ao povo.
A Inglaterra, que as inventou, já as abandonou pelos enormes prejuízos. Porque havemos de ser retrógrados? Há muito que contesto estas parcerias nebulosas e indecentes por razões óbvias. O Estado consegue financiamentos internacionais em melhores condições que qualquer privado, que as descontaria na parceria (o povo a pagar mais).
Depois de lançar o concurso para a construção ao melhor preço, lançaria a concessão nas melhores condições de oferta, em que o Estado garantiria as rendas para pagar os financiamentos alavancados, sem custos adicionais para o orçamento de estado e sem onerar o povo.
Com a redefinição destas estratégias retirava combustível e esvaziava argumentos dos opositores. Sócrates não se pode importar que a oposição reivindique vitória nesta redefinição, porque a vitória é de quem decide e não de quem berra. Deve, isso sim, exigir-lhes definição de políticas para os transportes e de construção das redes ferroviárias e aeroportuárias e respectivos modelos de financiamento. Tal com que políticas para a educação e para a saúde preconizam, mas objectivamente (como e com que meios).
Daria tempo ao governo para dedicação às questões do imediato e que são corrosivas, como é o caso do desemprego. Lançar obras de requalificação do património do Estado que está abandonado e degradado. Apoiar empresas micro e pequenas que garantam postos de trabalho. Dedicar tempo a fortalecer os sectores de ponta que ainda emergem desta crise. Isto tem de ser agilizado, sem cair em facilitismos e manobras escuras. Dar liberdade a quem decide, exigindo mais responsabilidade.
Sócrates ou rompe com os que o incitam a caminhar em frente (a sua corte de vassalos), mesmo que a direcção seja o abismo, ou terá de enfrentar os adversários internos que emergirão da penumbra para saciar o sangue dos moribundos.
Sócrates estará liquidado nas próximas eleições se não mudar, quando pode fazê-lo. Nem tudo o que fez está errado. Tentou mudar algumas coisas que ninguém teve coragem de mexer, só que exagerou na dose e especialmente na forma. Deve tentar resgatar o que de melhor se fez e se perdeu nas brumas das trapalhadas que as ofuscaram.
A oposição não debitou uma única ideia concreta para sair da crise. São medidas assistencialistas básicas semelhantes a esmolas que se esfumaçam à primeira brisa.
Sócrates tem de ouvir gente que não pensa necessariamente como ele em muitas questões, para que tenha mais argumentos para tomar as decisões acertadas. Não pode ostracizar valores que estão na sociedade prontos para exercer a cidadania exigida a todos os portugueses.
Por Mário Russo (Clube dos Pensadores)