dezembro 23, 2004

Natal sem complexos

Como complemento às tradições natalícias, todos os anos se aborda o tema da suposta pretensão de erradicar do espaço público os sinais cristãos que evocam a época que estamos a celebrar. Em países de antiga tradição cristã, em nome do “politicamente correcto” querem impor umas festas “insípidas”, ou seja, sem anjos nem presépios, não vá acontecer que estas coisas aborreçam alguém. Admitem-se no entanto, paisagens nevadas, as luzes coloridas e as renas de Santa Klaus. Mas nada de referências religiosas.

Os laicistas alérgicos aos cânticos de Natal populares e às figuras do presépio asseguram que os move o respeito às minorias religiosas e culturais. O curioso do assunto é que os membros dessas minorias não ficam aborrecidos em absoluto com os símbolos cristãos do Natal. Pelo contrário, alegram-se ao ver no espaço público sinais de religiosidade, ainda que seja a de outros. Como escreveu um advogado muçulmano Waleed Aley em “The Australian” (7.XII.04), onde defende que a tendência a descristianizar o Natal não favorece a tolerância nem o diálogo entre as culturas. “Às minorias religiosas interessa-lhes que se respeite e proteja o direito à expressão religiosa. E isto, desde logo, é um direito que corresponde também às maiorias".

Na sua opinião, “uma campanha contra o Natal é mais própria do ateísmo radical que dos muçulmanos”. Aley defende manter o sentido cristão do Natal precisamente em nome da tolerância. “A ideia de restringir as expressões religiosas é muito mais ofensiva que qualquer símbolo natalício”. “As sociedades tolerantes constroem-se desde a diversidade cultural e desde o encontro das distintas expressões religiosas, celebrações incluídas (...). Negar o espírito cristão no Natal ou, pior, suprimi-lo, não ajuda ninguém. Não é multiculturalismo. É anticulturalismo”, conclui.

Também nos Estados Unidos houve alguns casos de escolas ou municípios que suprimiram os cânticos de Natal ou símbolos religiosos para não aborrecer outras religiões. Charles Krauthammer comenta no “The Washington Post” (17.XII.04): “As tentativas de descristianizar o Natal são tão absurdas como cruéis. Os Estados Unidos são hoje a sociedade mais tolerante e heterogénea da história. Celebra todas as religiões com um coração e uma mente tão abertas que, comparada com os mais avançados países europeus, é única”
Esta diversidade leva inclusive a admirar outras festas não cristãs. Krauthammer diz sentir-se “divertido e satisfeito ao ver como a cultura americana engrandeceu a importância do Hanukah, a menos importante das sete celebrações judaicas, convertendo-a num evento maior com felicitações, presentes e comemorações públicas, como um modo criativo de dar aos judeus o equivalente do Natal".

Aos poucos pais que querem proibir os cânticos de Natal nas escolas porque temem que os seus filhos se possam sentir “diferentes” e “incomodados” por ouvirem tais canções cristãs, Krauthammer pergunta-lhes: “Que identidade religiosa tão frágil legaram aos seus filhos se temem que se vejam ameaçados por ouvir estas simples canções?"

Um pinheiro numa escola laica

Na laica França, a luta contra o véu islâmico na escola leva a alguns alunos a ver símbolos religiosos inclusive onde não existem. Num liceu de Lagny-sur-Marne, onde como todos os anos se tinha colocado uma árvore de Natal na entrada, duas alunas foram protestar junto do director pela presença de um símbolo que, na sua opinião, contradizia o princípio da laicidade. O director assegurou que não era um símbolo religioso mas, para evitar conflitos, retirou a árvore. Aborrecidos por esta decisão, numerosos alunos colocaram por sua conta e risco uma árvore no pátio e encarregaram-se de a engalanar.

Para atenuar o conflito, um grupo de professores teve de preparar um comunicado no qual recordava aos alunos que “a utilização do pinheiro como símbolo de vida ou de renascimento, depois do solstício de Inverno, é muito mais antigo que o cristianismo”. Posso concluir que perante isto nunca será demais estudar um pouco de religião na escola. O pinheiro expulso voltou ao refeitório para decorar a tradicional refeição de Natal.

A que não tem o menor complexo antinatalício é a ministra da educação italiana, Letizia Moratti, que dirigiu uma carta a todos os directores de escola animando-os a manterem os símbolos natalícios nos centros escolares. A ministra recordou que, juntamente com o Natal de luzes e presentes, “há outro Natal, o da tradição do presépio, o Natal que nos recorda o nascimento de Jesus, nascido numa gruta para trazer à terra uma mensagem de amor, o amor mais sublime, o amor dirigido a todos, também ao que está longe, a quem não ama, o amor mais extremo levado até ao sacrifício da morte”.

“O significado do Natal, tanto para o crente como para o não crente, é esta mensagem do valor universal do amor, daquele amor disposto a dar tudo sem pedir nada”, acrescenta Moratti. E ao tratar-se de se respeitar as identidades culturais, a ministra vai ainda mais longe ao afirmar que “sem respeitar a nossa história, as nossas raízes, não podemos compreender e respeitar os valores de quem tem uma história distinta da nossa”. De modo que, conclui apelando ao sentido universal do amor manifestado no Natal: “Não tireis das escolas o símbolo do amor da vida aos nossos estudantes, procurai ajudá-los através do presépio a compreender a sua importância e a vivê-lo no seu mais profundo significado, o mais verdadeiro, o mais puro”. Multicultural e desinibida esta Moratti.


CT

5 comentários:

arte disse...

É levado um pouco pela falta de complexos que eu gosto de desejar sempre "Um Santo Natal para todos"... Até para o ano!

arte disse...

Sem complexos e muita convicção desejo a todos um Feliz Natal.Ag

Maria Papoila disse...

Passei para vos desejar um Feliz Natal com muita paz e saúde ;) bjs

Anónimo disse...

Feliz e Santo Natal. Luis Villas

Anónimo disse...

Concordo com a essencia do post. Isto é, a tolerância e o respeito pela diversidade... Mas não posso deixar de sublinhar que são as religiões instituidas o histórico exemplo máximo da verdadeira intolerância face à diversidade cultural. E neste campo a Igreja Católica é um caso paradigmático de quem oprime à sombra de uma retórica de tolerância. E não falo apenas da Idade Média (aliás acho que a igreja Católica, sob muitos aspectos ainda não saiu da Idade Média). Um Abraço e Boas Festas. JL (Jorge Lourenço)